Postagens populares

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Ariano Suassuna está certo: isso não é forró

Um dos maiores nomes da cultura nordestina se revolta com a qualidade da nossa música. Confira o texto

Ariano Suassuna

“Tem rapariga aí? Se tem, levante a mão!’. A maioria, as moças, levanta a mão. Diante de uma platéia de milhares de pessoas, quase todas muito jovens, pelo menos um terço de adolescentes, o vocalista da banda que se diz de forró utiliza uma de suas palavras prediletas (dele só não, e todas bandas do gênero). As outras são ‘gaia’, ‘cabaré’, e bebida em geral, com ênfase na cachaça. Esta cena aconteceu no ano passado, numa das cidades de destaque do agreste (mas se repete em qualquer uma onde estas bandas se apresentam). Nos anos 70, e provavelmente ainda nos anos 80, o vocalista teria dificuldades em deixar a cidade.

Pra uma matéria que escrevi no São João passado baixei algumas músicas bem representativas destas bandas. Não vou nem citar letras, porque este jornal é visto por leitores virtuais de família. Mas me arrisco a dizer alguns títulos, vamos lá: Calcinha no chão (Caviar com Rapadura), Zé Priquito (Duquinha), Fiel à putaria (Felipão Forró Moral), Chefe do puteiro (Aviões do forró), Mulher roleira (Saia Rodada), Mulher roleira a resposta (Forró Real), Chico Rola (Bonde do Forró), Banho de língua (Solteirões do Forró), Vou dá-lhe de cano de ferro (Forró Chacal), Dinheiro na mão, calcinha no chão (Saia Rodada), Sou viciado em putaria (Ferro na Boneca), Abre as pernas e dê uma sentadinha (Gaviões do forró), Tapa na cara, puxão no cabelo (Swing do forró). Esta é uma pequeníssima lista do repertório das bandas.

Porém o culpado desta ‘desculhambação’ não é culpa exatamente das bandas, ou dos empresários que as financiam, já que na grande parte delas, cantores, músicos e bailarinos são meros empregados do cara que investe no grupo. O buraco é mais embaixo. E aí faço um paralelo com o turbo folk, um subgênero musical que surgiu na antiga Iugoslávia, quando o país estava esfacelando-se. Dilacerado por guerras étnicas, em pleno governo do tresloucado Slobodan Milosevic surgiu o turbo folk, mistura de pop, com música regional sérvia e oriental. As estrelas da turbo folk vestiam-se como se vestem as vocalistas das bandas de ‘forró’, parafraseando Luiz Gonzaga, as blusas terminavam muito cedo, as saias e shortes começavam muito tarde. Numa entrevista ao jornal inglês The Guardian, o diretor do Centro de Estudos alternativos de Belgrado. Milan Nikolic, afirmou, em 2003, que o regime Milosevic incentivou uma música que destruiu o bom-gosto e relevou o primitivismo estético. Pior, o glamour, a facilidade estética, pegou em cheio uma juventude que perdeu a crença nos políticos, nos valores morais de uma sociedade dominada pela máfia, que, por sua vez, dominava o governo.

Aqui o que se autodenomina ‘forró estilizado’ continua de vento em popa. Tomou o lugar do forró autêntico nos principais arraiais juninos do Nordeste. Sem falso moralismo, nem elitismo, um fenômeno lamentável, e merecedor de maior atenção. Quando um vocalista de uma banda de música popular, em plena praça pública, de uma grande cidade, com presença de autoridades competentes (e suas respectivas patroas) pergunta se tem ‘rapariga na platéia’, alguma coisa está fora de ordem. Quando canta uma canção (canção?!!!) que tem como tema uma transa de uma moça com dois rapazes (ao mesmo tempo), e o refrão é ‘É vou dá-lhe de cano de ferro/e toma cano de ferro!’, alguma coisa está muito doente. Sem esquecer que uma juventude cuja cabeça é feita por tal tipo de música é a que vai tomar as rédeas do poder daqui a alguns poucos anos.

**

Professor baiano também se rebela



Se Luiz Gonzaga fosse vivo, provavelmente estaria amuado em algum canto do sertão do Araripe, decepcionado com o que estão fazendo com o ritmo em que era o maioral. O forró, essa deliciosa levada nordestina que é a melodia perfeita para escoltar esses dias de ternas fogueiras, coloridos balões e estrangeiras garoas, está sendo brutalmente desfigurado por essas bandas movidas a dançarinas de pernas grossas e cantores robotizados, que usam o tripé “cachaça, rapariga e gaia” para iludir milhares de jovens de que forró é isso. Deveriam ser processados por atentado aos nossos ouvidos.



Recentemente, o jornalista e escritor José Teles, crítico musical do Jornal do Commércio, de Recife, fez um ótimo artigo sobre o tema. Entre outras coisas, ele diz que esse tipo de musica está tão massificada na cabeça da meninada, que está criando uma perigosa cultura entre eles, na qual mulher é sempre safada e descartável, cachaça é pra beber até cair e carro não é apenas meio de transporte, mas lotação pra encher de raparigas. Ele prossegue dizendo que quando um cantor de uma banda chega a uma praça pública e pergunta se tem “rapariga na platéia”, alguma coisa está fora de ordem. E o que mais preocupa é que essa juventude, que tem a cabeça feita por esse tipo de música (musica?!), brevemente vai tomar as rédeas do poder. Ele está coberto de razão.



Eu cresci numa geração que foi moldada musicalmente pelas ondas do radio. De Orlando Silva até o novíssimo som que vinha de Liverpool, nada escapava ao bom e velho Transglobe Philco, que trazia até o sertão baiano todas as novidades sonoras que rolavam pelo mundo. Mas era o forró que predominava, tanto nas emissoras quanto no serviço de auto-falante de dona Nenê, que só vivia tocando Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Trio Nordestino e que tais. E só a partir dos anos 70 foi que o forró de duplo sentido começou a fazer sucesso, quando canções como Passei a noite procurando tu e Ele ta de olho é na butique dela estouraram no meio da garotada. Mas, comparadas com as de hoje, elas soam quase infantis.



Sinceramente, não sei até que ponto a música ajuda na formação de um garoto, nem no seu jeito de ser. Mas sei que ela o acompanhará pro resto da vida. Como agora, quando vez ou outra eu me pego assoviando velhas canções juninas, como aquela em que Gonzagão pede ao seu amor para olhar pro céu só pra ver como está lindo.

Já essa turma que abre a mala do carro e obriga toda a vizinhança a ouvir alguém berrando que vai beber cair e levantar me deixa bastante preocupado. Não só pela qualidade das canções que eles levarão consigo, mas principalmente, por que muitos seguem à risca esse horrível refrão e, depois de beber todas, saem dirigindo loucamente pelas ruas, correndo o risco de bater, cair e nunca mais levantar. Definitivamente, isso nunca foi forró. Muito menos o seu propósito.



Texto publicado em A Tarde no dia 12 de junho de 2008 na coluna Opinião pelo escritor Jânio Ferreira Soares(s.janio@globo.com)

Nenhum comentário:

Postar um comentário